25 setembro 2012

O fim de um luto


Sentiu um estranho perfume. Era calmo e confortante, ao mesmo tempo em que angustiante diante da incerteza do por que o sentia. Seus olhos foram capazes de decifrar aquilo que seu coração perdera o tato. Abateu-se, por um momento, ao perceber que aquele era o perfume de heliotrópio e cidra. Apercebeu-se sentido ali o perfume de um amor a se vivenciar perdendo antes mesmo de começá-lo, tal como escreveu Marguerite Duras¹.

A doença da morte² – Suspeitava a um tempo que a tivesse.

Já havia amado um dia, um amor que se tornou um luto até aquele momento. A mulher diante de seus olhos, exalando aquele odor fustigante, o arrebatou de sua inércia.

A morte é ainda é uma possibilidade a ele, como é a todos: devemos a natureza uma morte³. Aquele perfume dispersou a morte nele entranhada, não o sentiu novamente naquela mulher, mas certamente foi através dela que o despertou para a vida e o interesse de amar.  

Notas: 
1 - Escritora nascida na Indochina, hoje Vietnã. residindo na França escreveu diversas obras de teatro, livros, filmes.
2- A doença da morte: aquele que a tem não sabe que é portador dela, da morte. E também no fato de que ele morreria sem vida progressa dentro da qual morrer, sem conhecimento nenhum de morrer em vida nenhuma. - In: O homem sentado no corredor; A doença da morte: Marguerite Duras. Editora Cosacnaify. p.58
3-  Referência a Shakespeare, que diz "deves uma morte à natureza" (In: O Nomeável e o Inominável - Maud Mannoni), em expressão semelhante Freud diz: "... cada um de nós deve a natureza uma morte e tem de estar preparado para saudar esta dívida..." (Sigmund Freud - Obras Completas, Vol 12 - Cia das Letras)

10 agosto 2012

Encontros e Desencontros

Houve uma festa com a temática 7 pecados (Luxúria, Gula, Inveja, Ganância, Ira, Preguiça, Orgulho). Havia comida, bebida, pessoas interessantes... como se espera de uma boa festa. A casa de estilo rústico, espaçosa, favorecia o convite de todos sentirem-se a vontade. As músicas tocavam, bem diversificadas, sons para ninguém sair da festa sem arriscar-se em dançar ao menos um pouco e, aos mais empolgados, a possibilidade exibir performances não estava proibida.

Muitos são os que ele conhece na festa, alguns eram recém chegados dos quais lembrava alguns nomes. Como brincadeira, pela mera ocasião do tema, ele pergunta de vez em quando a uma ou outra pessoa qual pecado representava. Um amigo seu, um quase a todo tempo de festa sentado ao sofá,  respondeu que era a preguiça. Quase todos respondiam, mesmo quando tinham ainda dúvidas do qual melhor representava, quase todos... exceto uma mulher com quem conversou bem espontaneamente, e ainda sem qualquer interesse em seduzir. Quando ele a perguntou seu pecado ali na festa, ela respondeu "- Não sei! Acho que nenhum!"

Era difícil não notar uma mulher como aquela, de cabelos pretos e longos, cerca de 1,75m de altura, magra, com curvas que muitas mulheres desejariam ter em si naquelas proporções tão simétrícas àquele vestido. Ela não o atraiu logo de inicio, mesmo ele tendo nela reconhecido essa beleza bastante desejável por outros homens,  ou mesmo mulheres. Os dois conversavam e a única coisa que ele realmente nela admirou inicialmente foi a inteligência. Não era o tipo de mulher a inquietá-lo, pois, curiosamente, preferia mulheres mais baixas e tão semelhantes umas as outras, tanto de rosto como corpo, que eram fáceis confundi-las  dez como uma mesma mulher (é notável como homens são repetitivos). 

Como num momento de clareza e, sem  ele não soube o que havia a ele acontecido e nem como, tornou-se impaciente em ter a oportunidade de segurar aquele corpo e admirar aquele sorriso junto aos seus lábios. Talvez ela dizê-lo que iria embora da festa tenha causado a lucidez. Olhou para ela com reprovação, deixando explícito não querer naquele momento despedida. Aproximou-se ainda mais dela e, sem praticamente notar sua mão repousando suavemente a cintura dela, pediu a ela ficar um pouco mais. Ela tentou justificar que precisava ir embora, e foi preciso apenas ele pedir  um vez que ela não fosse para que ela aceitasse ficar. Dançavam agora juntos e, em meio a música, ele a olha e aproxima seu rosto ao dela ainda mais, como quem vai roubar um beijo, mas, ao invés disso ele pergunta "- Você já sabe qual o pecado você é?". Para a sua surpresa ela responde, após um calmo e silencioso respirar, com as palavras"- Dada a situação, eu diria gula.".

Não havia outra coisa que pudessem escolher naquele contexto, nenhuma ação seria lógica, só podiam entregar-se ao acontecia. Não saciar aquela fome, todo aquele apetite um pelo outro, que ali se tornou necessário confessar (e talvez por isso não era luxúria ou vaidade), não era coisa a ser feita nem racional ou irracionalmente. Mas contrariando toda a evolução da trama, seus elementos, de toda expectativas, concluiu a história semelhante ao final de um filme francês.

07 agosto 2012

motivação

Aos livros ele olhava, como quem com fome estava diante da comida. Eram uma espécie de alimento que o faltava a sua alma - dizia ele. Pão não faltava a sua casa, mas livro era uma besteira que seus pais achavam desnecessária adquirir para além aos utilizados na escola.
Era um filho obediente mas teve de aprender a mentir aos seus pais, fazia isso para poder ir à biblioteca. Sua mãe ficou satisfeita quando ele disse que toda terça e quinta, entre 14hs e 17hs iria à igreja. A desculpa da igreja logo se tornou desnecessária, arrumou um bico como entregador de uma farmácia, ia pelo menos uma hora por dia à biblioteca. No fim da primeira quinzena de trabalho recebeu conforme o combinado, que juntando às gorjetas lhe deu muita satisfação e ao mesmo tempo um sentimento de impotência. Sabia que não podia comprar livros, praticar um esporte ou fazer um curso de idiomas, pois corria o risco de apanhar em casa só de voltar em insistir nisto (sim, já havia tentado convencer seus pais que tais coisas não eram futilidades).
Apenas depois de um ano e meio, quando terminou seu ensino fundamental já quase com 16 anos é que contou aos pais que precisou mentir a eles por tanto tempo. Não importava muito, pois ele havia conseguido passar ao Colégio Naval graças estas mentiras. Talvez um outro garoto contaria aos pais porque mentiu com a expressão de um certo desprezo mas, ao contrário daquilo a que se poderia imaginar, ele pediu desculpas e agradeceu seus pais por tê-lo ajudado em sua conquista.

17 maio 2012

Moralismo X Saúde


A política de redução de danos é uma direção de tratamento que qualquer profissional de saúde deve conhecer, ainda que por motivos pessoais não concorde. Há outras diversas políticas de tratamento diretrizes que profissionais de saúde não consideram adequados, na saúde mental se tem hoje a ênfase pela atenção psicossocial a direção de trabalho com pessoas que sofrem de transtornos mentais, isso não exclui existir defensores da direção manicomial existirem, mas é certo que a opinião pessoal não poder ser exclusiva e transgressora às políticas públicas.

Em uma matéria sensacionalista, que claramente desconhece ou preferiu ignorar toda a discussão em torno do tratamento em saúde pública aos casos de álcool e outras drogas, o jornalista Francisco Edson Alves, do jornal O Dia, foi bastante infeliz em seu dever ético como jornalista ao escrever a matéria  Saúde Defende a Maconha.

O código de ética profissional, conforme pode ser acessado pela FENAJ, atribui para a conduta do jornalista no Art. 4º "O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, 
deve pautar seu trabalho na precisa apuração dos acontecimentos e na sua correta divulgação."

Ao livro Toxicomanias: incidências clínicas e socioantropológicas o jornalista  escreve em tom de crítica: "Já na página 248, uma ‘dica’ inusitada e perigosa: “... 100 gramas de maconha podem ser considerados uma quantidade razoável para um usuário diário”. Sua postura diante trabalho dos autores é o que distorção daquilo que se debate no texto "O usuário de drogas", no subtítulo "Critérios para identificação do usuário". O que os autores estão debatendo não é a quantidade de drogas que um usuário é recomendado usar, os autores estão debatendo a identificação deste usuário ao invés de prontamente criminalizá-lo em igualidade ao traficante. Tentando preservar aquilo que os autores diziam, é  bem diferente alguém que tem em posse 100 gramas de maconha e alguém que tem 100 gramas de cocaína.

É merecedor de repúdio uma leitura tão leviana como a do jornalista, sua atitude irresponsável com a informação é de apropriar seus leitores a reforçar seus preconceitos ao invés de propiciá-los uma inserção ao debate em questão. A redução de danos é uma direção de trabalho em saúde, não é apenas algo apenas no Brasil discutida, outros países. Também é leviano reputar apenas o jornalista promover aos seus leitores uma opinião tão ignorante e distorcida dos fatos, o jornal O Dia é ainda mais merecedor de repúdio que o jornalista.