17 dezembro 2010

Figuração de uma vida

Saia todos os dias, pegava sempre o mesmo ônibus no mesmo horário, fazia sempre as mesmas coisas, via sempre as mesmas pessoas, sorria sempre do mesmo jeito, andava sempre com mesmos passos, falava sempre com mesmo tom.

Chegava à casa sempre no mesmo horário, fazia sempre a mesma comida, ouvia sempre as mesmas músicas, lia sempre o mesmo autor, dormia sempre no mesmo horário.
Sentia sempre a mesma dor, ia sempre no mesmo médico, recebia sempre a mesma receita, fazia sempre os mesmos exames, recebia sempre os mesmos resultados.

Um dia tudo mudou. Demorou as pessoas perceberem, e para a maioria foi necessário alguém dizer, a mudança: Wagner havia morrido: suicídio. E foi por isso que por meses não pagou as contas, que faltou ao trabalho, que não foi ao médico. Deixou várias cartas de despedida, e todas elas com datas diferentes. Todas reclamando a vida não ser uma coisa boa. Todas dizendo que o mundo deveria ser diferente. Nenhuma das cartas fazia indicação se um dia ele tentou fazer-se diferente ao mundo.

- Pobre Wagner! Demorou meses para mudar... mas mesma a sua nova condição, a de morto, ninguém a notou por vir a procurá-lo, nada mudou com sua morte.

Wagner teria sido o perfeito exemplo, se alguém lembrasse de sua vida, do quanto viver é mais que apenas ensaiar, representar um único papel, em cenas do cotidiano: Viveu como um ator figurante, sem improvisos e sempre representando um personagem nada marcante, morreu da mesma forma.

2 comentários:

Rafael disse...

Não sei exatamente a razão,mas acho que seu texto tem a ver com o meu último. Um abraço, Ronisson! Espero que você esteja bem.

http://fiaposfarrapos.blogspot.com/

Aline disse...

Muito bom o texto! Lembrei do romance da Clarice Lispector, A Hora da Estrela, mas no caso do Wagner nem a morte o fez aparecer.

Dan, gostaria de desejar-te, desde já, um Feliz Natal e, caso nao nos falemos mais, um feliz ano novo tb!

Beijos, Aline