02 agosto 2008

Cachaça

Os dez mandamentos da boa aguardente

1º MANDAMENTO: ANALISARÁS BEM O RÓTULO

Verifique o ano, a procedência, a cor, o lacre e a graduação alcoólica. Garrafa deve ser sempre transparente, pois a cor ajuda a identificar, entre outras coisas, as impurezas.

2º MANDAMENTO: NÃO TERÁS PRECONCEITO

Se de qualidade garantida, a cachaça não tem nada de "marvada". Ter preconceito é totalmente infundado.

3º MANDAMENTO: BEBERÁS SEMPRE EM TEMPERATURA AMBIENTE

A temperatura ambiente é ideal, pois mantém o aroma e o sabor intocados.

4º MANDAMENTO: DARÁS A CADA CACHAÇA SEU FIM MERECIDO

Para a mundialmente conhecida caipirinha, deve-se usar uma cachaça com teor alcoólico alto, pois o gelo dilui a bebida. E sempre branca. O sabor envelhecido não combina com a caipirinha. O mesmo tipo de cachaça, branca e forte, deve ser usado para culinária, pois o alto teor alcoólico flamba melhor. E, para beber purinha, vale a melhor cachaça, claro, envelhecida em tonéis de madeira e de boa procedência.

5º MANDAMENTO: ESTOCARÁS SEMPRE

Monte a sua adega. Mantenha as garrafas num ambiente escuro, fresco e longe da mesa, para evitar a tentação.

6º MANDAMENTO: CONHECERÁS PARA DEGUSTAR

Um pouco de conhecimento sobre o mercado e a história da cachaça ajuda a não levar gato por lebre. Salinas, por exemplo, é ícone da cachaça nacional, mas algumas marcas desconhecidas embarcam na fama e vendem pinga barata com a rubrica da cidade. Livros, como o de Erwin Weimann, também ajudam.

7º MANDAMENTO: NUNCA BEBERÁS CACHAÇA SOZINHO

Cachaça é para bebericar com os amigos, é algo social. Quanto mais amigos se tem, mais cachaça na cabeça...

8º MANDAMENTO: COMBINARÁS A BOA CACHAÇA COM A BOA COMIDA

Tudo que é gorduroso vai bem com cachaça. Mas tem de ser branca, nunca envelhecida, porque o sabor da madeira compete com o do alimento. Cachaça envelhecida, só após as refeições, de preferência com um bom charuto.

9º MANDAMENTO: CONQUISTARÁS AMIGOS E MULHERES

Para impressionar, diga que cachaça envelhecida guardada no freezer ganha a viscosidade de um licor, e substitui até um bom brandy.

10º MANDAMENTO: DEGUSTARÁS, MAS NÃO SE TORNARÁS UM CACHACEIRO

As provas de cada cachaça devem ser pequenas. Mesmo. Mas não se cospe depois – seria pedir demais. Tenha sempre água, pão ou bolinho para se consumir entre as provas e para limpar a boca.

Por Sérgio Arno

15 julho 2008

Solidão

"Todo mundo tem sua riqueza,
só eu pareço desprovido.
Meu espírito é o de um ignorante
porque é muito lento.
Todo mundo é clarividente
só eu estou na obscuridade.
Todo mundo tem o espírito perspicaz
só o meu é confuso
e flutua como o mar, e sopra como o vento.
Todo mundo tem seu objetivo
só eu tenho o espírito obtuso como um camponês.
Só eu sou diferente dos outros homens,
porque insisto em sugar o seio de minha Mãe."

O texto acima citado não é nem de Freud, nem de Lacan ou qualquer outro psicanalista, ele refere-se a um trecho do Tao Te Ching, basta saber isso e o que achar ou não é problema de você que está lendo neste momento.

02 junho 2008

Ausência*

É bom que seja assim, Dionísio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora
E sozinha supor
Que se estivesses dentro
Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora
Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.

*Canção I - Hilda Hilst/Zeca Baleiro
CD: Ode descontínua para flauta e oboé de Ariana à Dionísio

07 maio 2008

Beleza

Nada como um dia após outro... fazer de cada dia um novo dia, renovar talvez o dia anterior, fazer belo o que pretende beleza...
E digo “fazer belo” porque a vida não merece fazer-se moralmente em regras daquilo que é bom e daquilo que não é. Subo a rua de minha casa, lugar onde nem mais gosto, mas olho para ela e acima dela tem um céu... posso dizer que é o céu da minha rua, digo isso hoje talvez pelo mesmo porque de outro dia admirar no entardecer de um sábado, enquanto dentro de um ônibus, o horizonte em belo tom avermelhado.
Beleza quando já definida bela é vazia, é puro consumo. A beleza é artística, se inventa a cada momento e só é percebida por quem vai além das mediações de “deve ser assim ou assado”. A alma de uma jovem mulher por exemplo é cheia de intensidade que se negligenciada impede ela ser mais indica sua aparência, que não poucas vezes classificam “linda”, mas difícil é apreciar a beleza que transborda para além desta casca que só os olhos vêem, falta a sensibilidade para além dos olhos, sentir o doce inebriante de não ser amargo.Meus dias também transbordam de beleza, sinto uma alma junto a minha que mesmo longe se faz perto, me faz sorrir, que faz esperar. Se olho para essa beleza que transborda é porque dela também em todo lugar que olho está...

23 abril 2008

Mutações

Nasci num pequeno hospital de Tóquio. Mamãe diz que se lembra de duas coisas:
Um ratinho correndo pelo chão, o que ela considerou sinal de boa sorte.
Uma enfermeira curvando-se e murmurando, em tom de quem pede desculpas: "Infelizmente, é uma menina. A senhora prefere informar pessoalmente a seu marido?"
Liv Ullmann - Mutações

30 março 2008

Gostos

Todas as vezes que um homem sai do cinema, não sabe exatamente o que sentiu, e pensa o que fez ele gostar ou não gostar do filme... suas impressões são assim, sempre a julgar conforme seus gostos pessoais aquilo passa por seus olhos, que toca aos seus ouvidos, que sente em sua pele... mas diabos aquilo tinha com ele? Ele nunca se pergunta isso e talvez porque a resposta seria "-Nada!".
Quase sempre solitária é a impressão que temos? Possível que sim! Mas traduzimos elas para que se pareça uma sensata opinião... mas também deve ser difícil dizer as coisas conforme aconteceram, não traduzí-las aos nossos gostos pessoais que são também nossas experiências e espectativas.
Lembro da tentativa de amar, que quando eu tento me frustro. Tão dura é essa tristeza que parece distante o que quero daquilo que posso, principalmente quando assumimos em dizer palavras como "-Mas eu consigo!". Irônico é que tantas coisas dêem certo quando nos voltamos a outro querer, que nos surpreendemos em pesado ser aquilo que antes com tanta certeza diziamos "-Mas eu consigo!", logo quando já nos esquecemos que tais palavras nos foi proferido.

Vivemos em um mundo mágico, variadas distrações estão a nossa volta, reduzimos elas a algumas que achamos boas, e muitas vezes sem nem mesmo saber o que outros elementos ao nosso redor nos daria se com nossa permissão chegassem e tocassem-nos.

Vivemos a eternidade que não existe, escondemos a verdade que a vida não é para sempre para longe de nossos olhos e ouvidos. Amanhã pode sempre ser um bom dia para uma atitude que me dará felicidade, hoje nos voltamos a planejar para que tudo aconteça da forma idealizada. Preciso estar com alguém para ser feliz, dividir responsabilidades de mim mesmo que nunca assumi inteiramente. Preciso ser feliz, aquela felicidade que todas pessoas almejam mas sempre reclamam que ainda não alcançaram... mas que diabos estou dizendo! É tudo tão fantasioso, tudo tão fácil de dizer, tudo tão pouco meu... talvez possamos viver sim algumas destas coisas, mas não como se elas não exigissem de nós um pouco de atitude com a vida que mais surpreendente.

Pessoas sorriem com facilidade, algumas vezes penso que deve ser difícil um mundo onde aquela tristeza por todos desconhecida não pode aparecer, tanto por nao ser compreensível e por também não ser direito sentimento de tristeza onde parece todos sentir felicidade. Dá a pensar quanto somos pouco intímos das pessoas, só dividimos o que sabemos será reconhecido felicidade... vivemos quase inteiramente sozinhos.

09 março 2008

Temas do cotidiano III

Não tem um tema que é mais corrente que o amor, o outro tão vastamente falado seria a morte e assim como o amor é falado de modo vacilante e as vezes complementares. Na televisão a novela fala de amor verdadeiro, na música no rádio fala-se de amor verdadeiro, no cinema queremos assistir amor verdadeiro (será?)... fato é que ninguém conhece o verdadeiro amor, mas dele se fala como se óbvio para todos, que todo um dia o experimentaram ou ainda vão experimentar... a ironia são as lágrimas do dia-a-dia correntes no rosto de mulheres que hollywood teriam inveja da beleza, lágrimas que no Metrô molha o chão com algumas gotas que insuficiente para outras pessoas notarem ou apenas de afetarem com a cena tão solitária, mulheres que a beleza é superestimada merecidamente mas também um tanto subestimada como sendo um mero corpo...
A pressa é a arma virtuosa da solidão, solidão que não deveria ser ruim se fosse vivenciada com arte. Certo dia você ouve alguém dizer "- Porque nós já pegamos as mulheres mais gatas do curso de psicologia" e de que serve isso? Serve apenas para exemplificar o quanto o discurso amoroso é vacilante.
Beleza é um demônio que invoca talvez a tristeza de não ser vista primeiro como mulher, a qualidade do que é feminino é cada vez menos atrente aos falseados olhos que procuram colecionar belezas das quais depois poderá falar de modo genérico e sem resquícios de uma ou outra pessoa que mereça ser lembrada.
De certo modo fazer parte das "mulheres mais gatas" é saber que é admirada como mulher, mas isso não isenta da ironia - não se sabe quem a vê como mulher - e a solidão se presentifica. Mesmo com tanta gente admirando a beleza que é dito ela possuir, ainda assim, ela dificilmente poderá chamar a beleza que possui de eu.

A dona dos olhos tristes, no metrô, diz sempre ter se deixado enganar, que mesmo ela inicialmente achando que estava se envolvendo com uma pessoa interessante, no final, concluíra que nunca experimentou amor - eu ouço isso com o cuidado de não sorrir com o que me parece o possível primeiro passo dela ser mais responsável amorosamente - e apenas digo que se ela sente aquilo não deveria ficar presa a aquela tristeza, mas também que vivenciasse o quanto que necessitava a tristeza que sentia... vivenciar o luto que é a tristeza parece proíbido, devemos ser felizes mesmo quando não sentindo felicidade... novamente o cotidiano nos força a esquecer o que são os sentimentos de alguém que tenta ser chamar eu.

Nada mais solitário que sempre estar sozinho acompanhado de tantas pessoas, e cotidianamente é tão comum... pessoas são em grupo solitárias.

16 fevereiro 2008

Temas do cotidiano II

Em outra parte da cidade, aquela que não produz poetas mas jogadores de futebol, são quase 21hs. Nesta parte da cidade de gente comum, em suas vidas cotidiana em que cumprem tarefas como trabalho, estudos e família (família é uma tarefa que exige trabalho), não há muito espaço a novidades como existe na cidade a beira-mar onde tudo é só cintilância - sejam pessoas e suas jóias e sorrisos ou a boa manutenção do Estado em fazer componentes de cada parte desta cidade a beira-mar brilhar como se sempre fosse lua cheia.

E saindo do metrô que ainda lotado, na linha 2, ao andar 10min para finalmente chegar em sua casa após uma longa jornada de trabalho ele vê e sente o calor de um incêndio em um pequeno comércio próximo a sua casa, tipo de coisa que nem todos os dias se vê porque era como se pudesse observar um pequeno sol enjaulado que lutando para sair em plena noite de Irajá.
Ainda que longa a jornada de seu dia, as dores que seriam justas a um trabalhador exausto desaparecem, é tão curiosa a cena que voltar para o lar não parece necessário.

Se um trabalhador pode se dar ao direito de assistir, como se mais nada importante tivesse em pleno final de noite de uma quarta-feira, então, não seria surpreendente que outros curiosos - que de vã tentativa seria buscar definir suas atividades diárias - não se aglomerassem para também assistir. Assistem o incêndio, alguns do início ao fim! Quando os bombeiros terminam definitivamente seu serviço já são mais de 2hs de quinta-feira e tudo que resta era cinza, variando pouco de cinza para cinza...
Ninguém se dá conta que dono daquele comércio perdeu o que tinha, que naquele momento tudo perdera daquilo que batalhou por anos para conseguir, bem este que perdeu durante os momentos de entreternimento da multidão que curiosamente consegue rir com piadas do churrasco sendo realizado.

Ironicamente a desgraça de uns é o entreternimento de outros, nada mais cotidiano...

12 fevereiro 2008

Temas do cotidiano I

Era noite de lua cheia, a cidade estava parcialmente cintilante com a luz do luar e a outra parte escura como sempre é... a beleza da lua que encanta os poetas é melancólica quando se fecha os livros para andar na cidade. Mas que bobagem minha... ninguém abre livro, consulta-se internet para apreciar palavras que sejam agradáveis...

"- Quero saber do luar, escolho palavras que desejo sentir a respeito do luar que o Google possa me fornecer.
Resultados 1 - 100 de aproximadamente 1.150.000 para luar lindo amor alegria feliz (0,65 segundos)

Pessoas falam de sofrimento, de pobreza, de tristeza... sei que não sou pobre, mas sei o que é sofrer, as vezes tenho até depressão sabe? Mas uma coisa que aprendi é que tristeza nenhuma no mundo permanece quando se tem pessoas que te apoiam e te fazem sentir especial! Nossa... quando entro no Orkut na comunidade 'Fico na NET até de Madrugada' e converso por algumas horas com o pessoal é como se todo o peso da vida sumisse, sendo eu leve como uma pluma."

Nas ruas crianças com armas na mão te pedem cigarro, mendigos convulsionam com espuma a sair entre lábios, evangélicos a levar a bíblia a quem tem fome, jovens alcoólatras dormindo em banco de praça, negros sendo revistados como bandidos por policiais negros, fétido humano na sarjeta banhado em próprio mijo a dormir ao meio-fio, execução de espancamento do crime de não ser heterossexual no gênero masculino... coisas que a luz do luar não fazem beleza, apesar de alguns considerarem bonito os evangélicos darem bíblia a quem tem fome.

Continua...

05 janeiro 2008

Espera

Um mandarim estava apaixonado por uma cortesã. "Serei sua, disse ela, quando tiver passado cem noites a me esperar sentado num banquinho no meu jardim, embaixo da minha janela."
Mas, na nonagésima nona noite, o mandarim se levantou, pôs o banquinho embaixo do braço e se foi.
Extraído de "Fragmentos de um discurso amoroso"
Roland Barthes