Por vezes Djalma lembra da sua juventude, tempo de coisas simples e sem preocupações que um adulto lida, não precisava ser inteiramente responsável nem por si e nem fazia ideia que, talvez, pelos outros com quem vivia. Djalma brincava em uma rua que ainda nem asfaltada, cada época do ano tinha uma brincadeira da temporada: Pipa, bola de gude e peão, subia nas árvores para pegar frutas frescas: goiaba, amora e manga, fazia por vezes pequenas tarefas para ter dinheiro, e isso o enchia de felicidade. Hoje, asfaltada a rua, não se brinca mais de bola de gude ou peão, apenas pipa. As árvores foram a maioria cortadas, sobrando a opção das frutas sem gosto que vendidas nos mercados. Trabalhar passou a ser uma obrigação.
Em sua infãncia era cada dia uma aventura, em alguns dias era tamanha que caia na cama exausto, mas cada dia era uma diferente oportunidade, um novo conhecer, o futuro se apresentava esperançoso pelo sentimento que aquilo não poderia ser apagado, que em seu futuro trabalharia com algo que gostava, com pessoas que causasse admiração e respeito. Hoje mal consegue sentir a felicidade, e estranhamente não possue tristeza, parece viver uma frieza distante de alguém que foi um dia amável, mesmo ingênuo. Aquele garoto que tantas vezes se apaixonou bobamente, aquele tipo de paixão infantil que pode inclusive ocorrer na adolescência, nem consegue acreditar que mais de uma vez pensou estar apaixonado, acha que traiu toda sua vida por não conseguir mais ser como era, e mesmo assim prefere ser como é hoje.
Djalma lembra das coisas, coisas que sentiu, que disse, que fez, que simplesmente pensou, lembra que o mundo que via não era igual ao que agora vê, tal como sua imagem no espelho mudou. Vivia em um mundo que privilegiava sua felicidade, mesmo que algumas vezes algo de triste ocorrendo, e agora vê-se tomado pela indignação, sente que foi enganado por toda uma vida. Não sente que o metrô que todos dias pega é um sinal divino de sua felicidade, nem que seu salário miserável sirva para um futuro digno e sim a um presente desgraçado. Teve Djalma não escolheu entre trabalhar e estudar, trabalhar sempre foi uma obrigação e o fato de querer estudar medicina o colocava sempre em confronto com uma necessidade de dedicar-se apenas aos estudos. Ao seu pai, que chegou em São Paulo com 17 anos, considerava que um homem de 20 anos já havia passado do tempo de ser sustentado pelos pais, que Djalma tivesse o desejo de estudar era irrelevante para alguém mal havia concluído o ensino primário. Djalma, agora com 26, sente que toda felicidade que sonhava um dia alcançar é uma distante lembrança, destas bobas que apenas uma criança pode ter, foi o que concluiu depois de passar em 10º lugar em medicina para uma Universidade Federal apenas para descobrir não para ele possível deixar de trabalhar e mesmo trabalhando não tinha condições de sustentar os estudos, mesmo a faculdade gratuita ficava cara a despesa do dia a dia, sem dinheiro para livros não tinha disposição de tempo para estudar na biblioteca, monitorias e pesquisas que podiam benificia-lo com uma bolsa eram perdidas para outros estudantes que tinham a bolsa como um vale-birita. Pensa que nem tudo está perdido, apenas seu sonho, que pode sim fazer uma faculdade, mas não a de medicina, pode talvez tornar menos miserável o seu emprego cursando, a nunca antes pensada, faculdade de contabilidade.
Djalma não planeja mais o futuro, até acredita que pode-se criar oportunidades ao futuro, mas que está pouco em seu poder desenhá-lo, sente que tudo que hoje é não passa de um desenho que aconteceu de derramado sob ele café, todo seu passado ficou desbotado... por vezes alguém o cumprimenta chamando-o de doutor, ele cumprimenta de volta com um sorriso de quem consegue rir da própria incapacidade de poder sentir tristeza, o mesmo sorriso que o tornou mais atraente pelo ar de mistério, em dois anos envelheceu aparentemente um 6 ou 7, talvez por causa da bebida e/ou cigarro que ajudam-o como elo de vida, talvez porque a energia de seus ardentes sonhos de juventude o conferiam ar de moço e estavam agora perdido, não mais importa para Djalma. Djalma vive o que vive sem parecer sofrer aos seus mais intímos familiares e amigos, ele mesmo se pergunta porque não se sente sofrendo, sabendo que por muitas coisas poderia ser infeliz e mesmo assim não o é, não sabe nem mesmo responder a própria pergunta sobre si para si e, por isso mesmo, não sente no direito de decidir muita coisa sobre si mesmo.
Um comentário:
Muitoo bom, Dan!
Adorei essa frase:
"...acha que traiu toda sua vida por não conseguir mais ser como era, e mesmo assim prefere ser como é hoje."
Ao ler o teu post, também lembrei da música The Logical Song do Supertramp.
Beijão!
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