10 setembro 2010

Sem tristeza

Por vezes Djalma lembra da sua juventude, tempo de coisas simples e sem preocupações que um adulto lida, não precisava ser inteiramente responsável nem por si e nem fazia ideia que, talvez, pelos outros com quem vivia. Djalma brincava em uma rua que ainda nem asfaltada, cada época do ano tinha uma brincadeira da temporada: Pipa, bola de gude e peão, subia nas árvores para pegar frutas frescas: goiaba, amora e manga, fazia por vezes pequenas tarefas para ter dinheiro, e isso o enchia de felicidade. Hoje, asfaltada a rua, não se brinca mais de bola de gude ou peão, apenas pipa. As árvores foram a maioria cortadas, sobrando a opção das frutas sem gosto que vendidas nos mercados. Trabalhar passou a ser uma obrigação.
Em sua infãncia era cada dia uma aventura, em alguns dias era tamanha que caia na cama exausto, mas cada dia era uma diferente oportunidade, um novo conhecer, o futuro se apresentava esperançoso pelo sentimento que aquilo não poderia ser apagado, que em seu futuro trabalharia com algo que gostava, com pessoas que causasse admiração e respeito. Hoje mal consegue sentir a felicidade, e estranhamente não possue tristeza, parece viver uma frieza distante de alguém que foi um dia amável, mesmo ingênuo. Aquele garoto que tantas vezes se apaixonou bobamente, aquele tipo de paixão infantil que pode inclusive ocorrer na adolescência, nem consegue acreditar que mais de uma vez pensou estar apaixonado, acha que traiu toda sua vida por não conseguir mais ser como era, e mesmo assim prefere ser como é hoje.
Djalma lembra das coisas, coisas que sentiu, que disse, que fez, que simplesmente pensou, lembra que o mundo que via não era igual ao que agora vê, tal como sua imagem no espelho mudou. Vivia em um mundo que privilegiava sua felicidade, mesmo que algumas vezes algo de triste ocorrendo, e agora vê-se tomado pela indignação, sente que foi enganado por toda uma vida. Não sente que o metrô que todos dias pega é um sinal divino de sua felicidade, nem que seu salário miserável sirva para um futuro digno e sim a um presente desgraçado. Teve Djalma não escolheu entre trabalhar e estudar, trabalhar sempre foi uma obrigação e o fato de querer estudar medicina o colocava sempre em confronto com uma necessidade de dedicar-se apenas aos estudos. Ao seu pai, que chegou em São Paulo com 17 anos, considerava que um homem de 20 anos já havia passado do tempo de ser sustentado pelos pais, que Djalma tivesse o desejo de estudar era irrelevante para alguém mal havia concluído o ensino primário. Djalma, agora com 26, sente que toda felicidade que sonhava um dia alcançar é uma distante lembrança, destas bobas que apenas uma criança pode ter, foi o que concluiu depois de passar em 10º lugar em medicina para uma Universidade Federal apenas para descobrir não para ele possível deixar de trabalhar e mesmo trabalhando não tinha condições de sustentar os estudos, mesmo a faculdade gratuita ficava cara a despesa do dia a dia, sem dinheiro para livros não tinha disposição de tempo para estudar na biblioteca, monitorias e pesquisas que podiam benificia-lo com uma bolsa eram perdidas para outros estudantes que tinham a bolsa como um vale-birita. Pensa que nem tudo está perdido, apenas seu sonho, que pode sim fazer uma faculdade, mas não a de medicina, pode talvez tornar menos miserável o seu emprego cursando, a nunca antes pensada, faculdade de contabilidade.
Djalma não planeja mais o futuro, até acredita que pode-se criar oportunidades ao futuro, mas que está pouco em seu poder desenhá-lo, sente que tudo que hoje é não passa de um desenho que aconteceu de derramado sob ele café, todo seu passado ficou desbotado... por vezes alguém o cumprimenta chamando-o de doutor, ele cumprimenta de volta com um sorriso de quem consegue rir da própria incapacidade de poder sentir tristeza, o mesmo sorriso que o tornou mais atraente pelo ar de mistério, em dois anos envelheceu aparentemente um 6 ou 7, talvez por causa da bebida e/ou cigarro que ajudam-o como elo de vida, talvez porque a energia de seus ardentes sonhos de juventude o conferiam ar de moço e estavam agora perdido, não mais importa para Djalma. Djalma vive o que vive sem parecer sofrer aos seus mais intímos familiares e amigos, ele mesmo se pergunta porque não se sente sofrendo, sabendo que por muitas coisas poderia ser infeliz e mesmo assim não o é, não sabe nem mesmo responder a própria pergunta sobre si para si e, por isso mesmo, não sente no direito de decidir muita coisa sobre si mesmo.

08 setembro 2010

A história de uma vida

A vida é uma história...

A afirmação pode parecer ingênua, ou mesmo redundante, no instante imediato que recebe a afirmação, mas não é se levando em conta que nem tudo permanece registrado ou lembrado.
Que temos todos nossa própria história, isto é cada vez mais falso. Alguns anos li Castañeda e achei muito interessante a atitude de apagar a história pessoal, hoje considero como banalidade apagar a história pessoal, pois os laços de uma pessoa com suas experiências é irrelevante ao homem social, consigo até imaginar o exemplo de alguém que nascido e criado em um lixão o quase completo desconhecimento com quais seus próximos odeia-o ou ama-o. A vida não é um simples resultado de elementos, mas os elementos permitem compor resultados, e se tratando de vida os resultados são sempre imprevisíveis porque, ao contrário que se possa dizer, o passado sempre volta.
Terminei de ler mais um livro de Marguerite Duras Olhos Azus, Cabelos Pretos, ao escrever esta linha percebo que já dizia do livro desde o início de minha postagem, apenas não havia dado-me conta disso. Pretendia dizer o quanto me surpreendi em saber que a autora havia morado próxima a Saigon e que sua mãe era professora primária, tal como a personagem de seu livro O Amante. Já era de meu conhecimento que Marguerite Duras seria uma autora que não simplesmente inventa uma obra com a impessoalidade, ler Marguerite Duras é ler Marguerite Duras, acontecimentos de sua vida são traduzidas em palavras nos seus livros, é um dos poucos exemplos que conheço de alguém conseguir tranformar algo rigorosamente pessoal em público¹. Raramente um vida de interesse público, o homem moderno parece se preocupar mais com "o que fulano tem" que o "de onde ele vem", substituir simplesmente a 1ª pela 2ª não chega a resolver qualquer coisa e sim trato aqui de observar como a impessoalidade é intronizada em nossa pessoalidade, pensamos geralmente o outro como impessoal e por isso sem história senão aquela que costumamos ler e principalmente gostamos de ler.
Tem autores que escrevem aquilo que leitores querem ler, fazem sucesso por não arriscar fazer o leitor expandir sua capacidade de criar significações da realidade, em detrimento atraí para uma representação cristalizada. Talvez a guerra entre humanos e robôs, que de Isaac Asimov foi amplamente adaptada por mais diversos autores, não venha a acontecer. A impressão é que os robôs já estão entre nós, importa muito seu custo X benefício e pouco importa a mão de obra que a produziu, desde que ela enquanto ferramenta dê a produtividade esperada. Dizem por aí que algumas pessoas tem defeito na fabricação, instalação de metilfenidato ou haloperidol ou fluoxetine periodica é recomendada com diversas indicações seu de uso estabelecerem funções normalizadas.
 Fica como reflexão a introdução do filme Trainspotting², dizendo: "Escolha viver. Escolha um emprego. Escolha uma carreira. Escolha uma família. Escolha uma televisão enorme. Escolha lavadoras de roupa, carros, CD players e abridores de latas elétricos. Escolha boa saúde, colesterol baixo e plano dentário. Escolha uma hipoteca a juros fixos. Escolha sua primeira casa. Escolha seus amigos. Escolha roupas esporte e malas combinando. Escolha um terno numa variedade de tecidos. Escolha fazer consertos em casa e pensar na vida domingo de manhã. Escolha sentar-se no sofá e ficar vendo game shows chatos na TV enfiando porcaria na sua boca. Escolha apodrecer no final, beber num lar que envergonha os filhos egoístas que pôs no mundo para substituí-lo. Escolha o seu futuro. Escolha viver.".

1 - Nas palavras de Marguerite Duras "Não existe nada mais público que aquilo que é rigorosamente pessoal."
2 - Vale a pena fazer consideração aqui que o filme é adaptação de um livro homônimo.