23 julho 2007
21 julho 2007
Cartas a um jovem poeta
(Tradução: Paulo Rónai e Cecília Meireles)
Roma, 14 de maio de 1904.
Meu caro Sr. Kappus,
Decorreu muito tempo desde que recebi a sua última carta. Não me guarde rancor por isto; trabalho, incômodos e indisposições impediram-me de dar-te uma resposta. Queria que esta lhe viesse de dias tranqüilos e bons. Agora me sinto outra vez um pouco melhor (o começo da primavera fez sentir bastante, também aqui, suas transições malignas e caprichosas,) e venho cumprimentá-lo, caro Sr. Kappus, e (o que faço com tanto gosto) dizer-lhe, o melhor que posso, algumas coisas a respeito de sua carta.
Como vê, copiei o seu soneto(*) por achá-lo belo e simples e porque nasceu numa forma em que se move com tão discreta correção. Dos versos seus que tenho lido são estes os melhores. Venho agora oferecer-lhe esta cópia, porque sei como é importante e cheio de novas experiências rever um trabalho próprio copiado pela mão de outrem. Leia os versos como se fossem de outra pessoa e no fundo da alma há de sentir como são seus.
Foi uma alegria para mim reler várias vezes o soneto e a carta, agradeço-lhe ambos.
Não se deve deixar enganar em sua solidão, por existir algo em si que deseja sair dela. Justamente tal desejo, se dele se servir tranqüila e sossegadamente como de um instrumento, há de ajudá-lo a estender a sua solidão sobre um vasto território. Os homens com o auxílio das convenções, resolveram tudo facilmente e pelo lado mais fácil da facilidade; mas é claro que nós devemos agarrar-nos ao difícil. Tudo o que é vivo se agarra a ele, tudo na natureza cresce e se defende segundo a sua maneira de ser; e faz-se coisa própria nascida e contra qualquer resistência. Sabemos pouca coisa, mas que temos de nos agarrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará. É bom estar só, porque a solidão é difícil. O fato de uma coisa ser difícil deve ser um motivo a mais para que seja feita.
Amar também é bom: porque o amor é difícil. O amor de duas criaturas humanas talvez seja a tarefa mais difícil que nos foi imposta, a maior e última prova, a obra para a qual todas as outras são apenas uma preparação. Por isso, pessoas jovens que ainda são estreantes em tudo, não sabem amar: tem que aprendê-lo.
Com todo o seu ser, com todas as suas forças concentradas em seu coração solitário, medroso e palpitante, devem aprender a amar. Mas a aprendizagem é sempre uma longa clausura. Assim, para quem ama, o amor , por muito tempo e pela vida afora, é solidão, isolamento cada vez mais intenso e profundo. O amor antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. Que sentido teria com efeito, a união com algo não esclarecido, inacabado, dependente? O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo em si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de outro ser; é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamado para o longe. Do amor que lhes é dado, os jovens deveriam servir-se unicamente como de um convite para trabalhar em si mesmos (“escutar e martelar dia e noite”). A fusão com outro, a entrega de si, toda a espécie de comunhão não são para eles (que deverão durante muito tempo ainda juntar muito, entesourar); são algo de acabado para o qual . talvez, mal chegue atualmente a vida humana.
Aí está o erro tão grave e freqüente dos jovens: eles – cuja natureza comporta o serem impacientes – atiram-se uns aos outros quando o amor desce sobre eles e derrramam-se tais como são com seu desgoverno, sua desordem, sua confusão. Que acontecerá pois? Que poderá fazer a vida desse montão de material estragado a que eles chamariam felicidade? Que futuro os espera? Cada um se perde por causa do outro e perde ao outro e muitos outros que ainda queriam vir. Perde os longes e as possibilidades, troca o aproximar-se e o fugir de coisas silenciosas e cheias de sugestões por uma estéril perplexidade de onde nada de bom pode vir, a não ser um pouco de enjôo, desilusão e empobrecimento. Depois procuram salvar-se, agarrando-se a uma das muitas convenções que se oferecem como abrigos para todos nesse perigoso caminho. Nenhum terreno da experiência humana é tão cheio de convenções como este. Há nele uma profusão de cintos salva-vidas, canos e bexigas natatórias, toda a espécie de refúgios preparados pela opinião que, inclinada, a considerar a vida amorosa um prazer, teve de torná-la fácil, barata, sem perigos e segura como os prazeres do público.
No entanto, muitos jovens que amam erradamente, isto é, entregando-se simplesmente sem manterem a sua solidão – e a média fica sempre nisso - , sentem o peso opressivo do erro cometido e gostariam de, à sua maneira, tornar vivedouro e fértil o estado de coisas a que se vêem reduzidos. A sua natureza lhes diz que as questões do amor não podem , menos ainda do que qualquer outra importante, ser resolvidas em comum, conforme um acordo qualquer; que são perguntas feitas diretamente de um ser humano para outro, que em cada caso exigem outra resposta, específica, estritamente pessoal. Mas como podem eles, que já se atiraram uns aos outros e não mais se delimitam nem se distinguem, quer dizer, que nada mais possuem de seu, encontrar uma saída em si mesmos, no fundo de sua solidão já derramada?(...)
Roma, 14 de maio de 1904.
Meu caro Sr. Kappus,
Decorreu muito tempo desde que recebi a sua última carta. Não me guarde rancor por isto; trabalho, incômodos e indisposições impediram-me de dar-te uma resposta. Queria que esta lhe viesse de dias tranqüilos e bons. Agora me sinto outra vez um pouco melhor (o começo da primavera fez sentir bastante, também aqui, suas transições malignas e caprichosas,) e venho cumprimentá-lo, caro Sr. Kappus, e (o que faço com tanto gosto) dizer-lhe, o melhor que posso, algumas coisas a respeito de sua carta.
Como vê, copiei o seu soneto(*) por achá-lo belo e simples e porque nasceu numa forma em que se move com tão discreta correção. Dos versos seus que tenho lido são estes os melhores. Venho agora oferecer-lhe esta cópia, porque sei como é importante e cheio de novas experiências rever um trabalho próprio copiado pela mão de outrem. Leia os versos como se fossem de outra pessoa e no fundo da alma há de sentir como são seus.
Foi uma alegria para mim reler várias vezes o soneto e a carta, agradeço-lhe ambos.
Não se deve deixar enganar em sua solidão, por existir algo em si que deseja sair dela. Justamente tal desejo, se dele se servir tranqüila e sossegadamente como de um instrumento, há de ajudá-lo a estender a sua solidão sobre um vasto território. Os homens com o auxílio das convenções, resolveram tudo facilmente e pelo lado mais fácil da facilidade; mas é claro que nós devemos agarrar-nos ao difícil. Tudo o que é vivo se agarra a ele, tudo na natureza cresce e se defende segundo a sua maneira de ser; e faz-se coisa própria nascida e contra qualquer resistência. Sabemos pouca coisa, mas que temos de nos agarrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará. É bom estar só, porque a solidão é difícil. O fato de uma coisa ser difícil deve ser um motivo a mais para que seja feita.
Amar também é bom: porque o amor é difícil. O amor de duas criaturas humanas talvez seja a tarefa mais difícil que nos foi imposta, a maior e última prova, a obra para a qual todas as outras são apenas uma preparação. Por isso, pessoas jovens que ainda são estreantes em tudo, não sabem amar: tem que aprendê-lo.
Com todo o seu ser, com todas as suas forças concentradas em seu coração solitário, medroso e palpitante, devem aprender a amar. Mas a aprendizagem é sempre uma longa clausura. Assim, para quem ama, o amor , por muito tempo e pela vida afora, é solidão, isolamento cada vez mais intenso e profundo. O amor antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. Que sentido teria com efeito, a união com algo não esclarecido, inacabado, dependente? O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo em si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de outro ser; é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamado para o longe. Do amor que lhes é dado, os jovens deveriam servir-se unicamente como de um convite para trabalhar em si mesmos (“escutar e martelar dia e noite”). A fusão com outro, a entrega de si, toda a espécie de comunhão não são para eles (que deverão durante muito tempo ainda juntar muito, entesourar); são algo de acabado para o qual . talvez, mal chegue atualmente a vida humana.
Aí está o erro tão grave e freqüente dos jovens: eles – cuja natureza comporta o serem impacientes – atiram-se uns aos outros quando o amor desce sobre eles e derrramam-se tais como são com seu desgoverno, sua desordem, sua confusão. Que acontecerá pois? Que poderá fazer a vida desse montão de material estragado a que eles chamariam felicidade? Que futuro os espera? Cada um se perde por causa do outro e perde ao outro e muitos outros que ainda queriam vir. Perde os longes e as possibilidades, troca o aproximar-se e o fugir de coisas silenciosas e cheias de sugestões por uma estéril perplexidade de onde nada de bom pode vir, a não ser um pouco de enjôo, desilusão e empobrecimento. Depois procuram salvar-se, agarrando-se a uma das muitas convenções que se oferecem como abrigos para todos nesse perigoso caminho. Nenhum terreno da experiência humana é tão cheio de convenções como este. Há nele uma profusão de cintos salva-vidas, canos e bexigas natatórias, toda a espécie de refúgios preparados pela opinião que, inclinada, a considerar a vida amorosa um prazer, teve de torná-la fácil, barata, sem perigos e segura como os prazeres do público.
No entanto, muitos jovens que amam erradamente, isto é, entregando-se simplesmente sem manterem a sua solidão – e a média fica sempre nisso - , sentem o peso opressivo do erro cometido e gostariam de, à sua maneira, tornar vivedouro e fértil o estado de coisas a que se vêem reduzidos. A sua natureza lhes diz que as questões do amor não podem , menos ainda do que qualquer outra importante, ser resolvidas em comum, conforme um acordo qualquer; que são perguntas feitas diretamente de um ser humano para outro, que em cada caso exigem outra resposta, específica, estritamente pessoal. Mas como podem eles, que já se atiraram uns aos outros e não mais se delimitam nem se distinguem, quer dizer, que nada mais possuem de seu, encontrar uma saída em si mesmos, no fundo de sua solidão já derramada?(...)
Rainer Maria Rilke
Páginas 54, 55, 56 e 57 da 17ª edição – Editora Globo
O soneto ao qual o poeta se refere, está traduzido e publicado na mesma edição página 77.
O soneto ao qual o poeta se refere, está traduzido e publicado na mesma edição página 77.
12 julho 2007
10 julho 2007
07 julho 2007
Próximo a decisão...
Pensei em flores ao ver-te...
Tenho imobilizado o pensamento
procurando-na em toda parte,
mesmo quando não tento.
E já nem tento como antes me esconder
ou não consigo. Com felicidade tão extremada
aceno-te, sem preocupar-me nada...
atentando apenas em a alma obedecer.
Arrepio-me em te lembrar
o rosto, o sorriso, o acenar
por quais suspiro e trazem o desejar.
Sorvo-te em tua sensibilidade
tão cândida, que nada mais me faz aspirar
senão de em seus lábios tocar.
Tenho imobilizado o pensamento
procurando-na em toda parte,
mesmo quando não tento.
E já nem tento como antes me esconder
ou não consigo. Com felicidade tão extremada
aceno-te, sem preocupar-me nada...
atentando apenas em a alma obedecer.
Arrepio-me em te lembrar
o rosto, o sorriso, o acenar
por quais suspiro e trazem o desejar.
Sorvo-te em tua sensibilidade
tão cândida, que nada mais me faz aspirar
senão de em seus lábios tocar.
01 julho 2007
Hilst
"Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada."
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada."
Estou com saudades de ler Hilda Hilst e o modo que ela toma o desejo, falando dele como nenhum homem poderia dizer e como poucas mulheres tem a ousadia de assumir. Arriscaria a dizer muito mais, contudo Hilst se faz suficiente para dizer o que escreve quando lê-se sua obra.
"Aquele Outro não via minha muita amplidão
Nada LHE bastava.
Nem ígneas cantigas.
E agora vã, te pareço soberba, magnífica
E fodes como quem morre a última conquista
E ardes como desejei arder de santidade.
(E há luz na tua carne e tu palpitas.)
Ah, por que me vejo vasta e inflexível
Desejando um desejo vizinhante
De uma Fome irada e obsessiva?"
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