29 abril 2007

Asas do Desejo

[Ele no balcão. Ela chega e ele ainda de costas a ela. Ele vira-se dá o copo em sua não qual ela toma de um gole e o devolve. Ele coloca o copo ao balcão e tenta aproximar o rosto ao dela. Ela coloca a mão ao seu peito distanciando-o...]

Daí ela diz:

- Deixe a coisa ficar mais séria.
Estive só um tempo mas nunca vivi sozinha. Quando estava com alguém se sentia feliz.
[silêncio]
Mas ao mesmo tempo tudo parecia ser coincidência. Essas pessoas eram meus pais mas poderiam ter sido outras. Porque este rapaz de olhos marrons é meu irmão e não aquele de olhos verdes no outro lado da plataforma? A filha do motorista de taxi era minha amiga. Mas poderia ter perfeitamente colocado meu braço em torno do pescoço de um cavalo.
Estive com um homem enamorada. Poderia tê-lo deixado de lado e partido com um estranho.
Olhe para mim ou não.
Me dê sua mão ou não.
Não me dê sua mão.
Olhe para lá.
Hoje é noite de lua nova, que noite de paz...
... sem derrame de sangue na cidade.
Nunca brinquei com alguém. Nunca abri meus olhos e disse: Agora é sério. Cresci. Era o único que não era sério? Os nossos tempos é que não são sérios.
Nunca estive só, nem sozinha, nem com outros. Gostaria de ficar só. Solidão significa: Finalmente sou um todo.
Agora posso afirmá-lo, pois finalmente estou só. Tenho que parar com as coincidências.
[suspiro]
A lua nova das decisões.
Não sei se existe destino, mas aqui está uma decisão!
Decida!
Nós agora somos o tempo.
Não só toda a cidade, mas o mundo todo está tomando parte da nossa decisão.
Nós somos mais que dois.
Encarnamos algo. Estamos no lugar dos outros e tudo está cheio de gente que está sonhando o mesmo sonho. Estamos decidindo o jogo dos outros!
Estou pronta!
Agora é sua vez.
Pegue o jogo em suas mãos.
Agora ou nunca!
Você precisa de mim!
Você vai precisar de mim!
Não existe história maior que a nossa...
... a de um homem e uma mulher.
Será uma uma história de gigantes. Invisível, transponível. A história de novos ancestrais.
Veja, meus olhos são o retrato da necessidade do futuro de cada um no lugar.
Ontem a noite sonhei com um estranho...
... com meu homem.
Só com ele posso ficar a sós... me abrir para ele. Recebê-lo inteiramente. Envolvê-lo num labirinto de felicidade a dois.
Sei que é você.

(Fala transcrita do filme "Asas do desejo" de Wim Wenders de 1987)

Produto Descartável





Sinopse: Dois vizinhos que se desejam lutam contra os estereótipos que criaram para si mesmos. Uma divertida comédia urbana, repleta de clichês nos quais todos se posicionam como verdadeiros produtos descartáveis. Sexo, nudez e violência - tudo o que você sempre quis ver em um único filme.

Gênero Ficção Diretor Flávia Rea, Rafael Primo Elenco: Bárbara Paz, Rafael Primo Ano 2003 Duração 16 min Cor Colorido

28 abril 2007

Quero um amor para as estações frias

No esforço da guerra,
tiro para todos os lados,
simpatia e falas forçadas,
meu Deus, e, até agora, nada.

Uma eu já comi,
outra eu já peguei;
outras sempre quis
e o que sobrou eu já chutei.


Mas pooorra!... Agora, agooora,
no frio cadente do outono,
ninguém pra me dar bola?

Aaaahhh... Pra dar bola tem de sobra,

mas no fim da história, quem sobra sou eu.
Ado, ado, ado, vai tomá no cu.

Por Daniel, em homenagem a Paola

26 abril 2007

A Piedade

Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento
abatido na extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da
luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio
bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
dos meus sonhos


Poema de Roberto Piva - Paranóia (1963)

22 abril 2007

Singularidade

"...
Quando entrou no restaurante, sentou-se em seu lugar de costume e olhou para mim. Nossos olhos se encontraram. A próxima coisa que percebi foi ele soltando um grito incrível, que me gelou até os ossos, e a todos os presentes. Todos olharam para mim, com os olhos arregalados, alguns ainda com a boca cheia de comida. Obviamente eles pensaram que eu havia gritado. Eu já havia aberto um precedente quando soquei o balcão e ri alto. O homem pulou do banco e saiu correndo do restaurante, voltando-se para me olhar enquanto fazia gestos agitados com suas mãos sobre a cabeça.
Não resisti a um forte impulso e corri atrás do homem. Queria que ele me dissesse o que vira em mim para fazê-lo gritar. Alcancei-o no estacionamento e perguntei-lhe por que gritara. Cobriu os seus olhos e gritou novamente, ainda mais alto. Era como uma criança amedrontada por um pesadelo, gritando a plenos pulmões. Deixei-o e voltei ao restaurante.
- O que houve com você meu querido? - a garçonete perguntou com um ar preocupado. - pensei que tivesse saído correndo de mim.
- Apenas fui ver um amigo – disse eu.
- Aquele cara é seu amigo? – perguntou ela.
- O único amigo que tenho no mundo – disse, e era verdade, se eu pudesse definir “amigo” como alguém que vê através da aparência, da camada superficial que cobre você, e sabe de onde você realmente vem."


Trecho do livro "O Lado Ativo do Infinito" de Carlos Castañeda

Dizeres íntimos

É tão triste morrer na minha idade!
E vou ver os meus olhos, penitentes
Vestidinhos de roxo, como crentes
Do soturno convento da Saudade!

E logo vou olhar ( com que ansiedade!... )
As minhas mãos esguias, languescentes,
De brancos dedos, uns bebés doentes
Que hão-de morrer em plena mocidade!

E ser-se novo é ter-se o Paraíso,
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!

E os meus vinte e três anos...( Sou tão nova ! )
Dizem baixinho a rir: - [ Que linda a vida !... ]
Responde a minha Dor: - [ Que linda a cova! ]

Poema de Florbela Espanca

21 abril 2007

Manual para atropelar cachorro



Sinopse: De onde vem a maldade humana? O que leva alguém a cometer atos de crueldade? O mundo visto por uma mente doente, enlouquecida em uma cidade grande qualquer. Síndromes Urbanas.

Ficção De Rafael Primo 2006 18 min
Com Zezé Polessa, Ary França, Bárbara Paz, Rafael Primo, Cynthia Falabella, Tuna Dwek, Rubens Ewald Filho, Rodrigo Frampton

20 abril 2007

E por que havias de querer...

E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
Poesia de Hilda Hilst

15 abril 2007

A História da Eternidade





Sinopse: A História da Eternidade é um falso plano-sequência que pretende conduzir o espectador a uma viagem dentro dos instintos humanos, através de uma linguagem poética e metafórica. Acontecimentos que representam um amplo panorama da civilização ocidental e tudo que o ser humano é capaz, desde trucidar seu semelhante brutalmente até inventar a arte para libertar os sonhos estão presentes neste exercício visceral que expõe, sem concessões, a eterna tragédia humana.
Gênero: Experimental - Duração 10 min (2003)

14 abril 2007

Espera ou procura?

Em noite calma resta silêncio
nenhum som audível, nenhum...
Mas resta os pensamentos,
sufocantes, as vezes delirantes.

Caminho sem ter onde ir,
volto sem ter onde chegar.
Pego em um livro e só...
Não encontro concentração.

E o tempo corre, não esqueço!
Prioridades se confundem,
e nada, nada flui como deve.

Desejo água? Ou quero fogo?
Vivo na terra? ou flutuo no ar?
Cansei de poucos elementos...

08 abril 2007

Estrada




Sinopse: Episódio da série A Felicidade É... Dois casais amigos, vivendo um raro momento de felicidade, tomam a estrada em direção à serra para passar o que promete ser o feriadão ideal. Um caminhoneiro, vivendo seu inferno astral, tem que entregar uma encomenda numa cidade distante, com seu caminhão velho e sem freios, e voltar correndo para um insuportável compromisso doméstico. Num breve futuro, estes dois caminhos vão terminar se cruzando. Mas quem acredita em Destino?